Um Jardim Vagabundo
Numa tarde deste escaldante verão, decidi ir a um jardim. Estranha decisão tendo em vista que nessa estação, como todos sabemos, não é mais propícia para admirarmos a possível exuberancia das flores de um recanto. Porém, a grama estava verde como nunca, embora não houve flores de aspecto exuberante, apenas aquelas resistentes ao calor insurpotável que nos aflige.
Porém, nesse final de tarde, o calor foi abrandado pela brisa suave que soprava, trazendo consigo o cheiro de mar próximo àquele desflorido cenário. Fiquei ali, apenas olhando, observando, como que algo procura, sem a menor intenção de achar nada. Como um caçador que caça sua própria sombra, e assim mesmo a deixa escapar.
Algo porém me chamou a atenção. Uma pequenina e singela arvorezinha, verde como a esperança do desanimado olhar e com apenas um pequeno ponto vermelho. Me aproximei para ver: uma pimenta. Quase não se dava para notar, de tão minúscula que era. Com uma crueldade suave, arranquei-a do pé. Mal sabia eu a grata surpresa que me esperava.
Não sei bem por qual motivo, resolvi levar aquela pimenta para meu canto preferido, para aprecia-la, para conhecê-la e apresentá-la ao meu refúgio: um banco, na sombra, que tinha a melhor visão do jardim, e que de tão discreto, não podia quase ser visto por ninguém.
Comecei a contemplar aquele pequeno fruto e uma magia tomou conta de mim. Senti como se ele quisesse me falar algo e quisesse algo de mim. Primeiro, tive a sensação de uma criança, com seu sorriso largo, que se agrada com o menor afago, que se diverte com o pouco que lhe é proporcionado. Um sapeca menina, que vivia dentro da mesma, e que as vezes, se cansava de brincar e se ausentava da vista de todos.
Em outro momento, senti uma adolescente, empolgada com o novo, envolvente e apaixonante; uma garota esperta, que não queria me abandonar, embora soubesse que isso iria acabar acontecendo. Senti a presença e a vontade de conhecer o lado mulher, embora um pouco havia se mostrado, cansado também de viver muitas vezes escondida, tendo que agradar a qualquer custo, mesmo que sendo arranhada por dentro. Porém forte, e sabendo o que quer, mesmo não tendo forças, as vezes, para alcançar.
De repente, esse fruto escapoliu das minhas mãos, e sumiu por dentro da relva fofa. Fiquei estranhamente saudoso, com saudade inexplicável, como se tivesse vivido um século naqueles curtos momentos. Resolvi ir até a arvorezinha-mãe, para ver se algo encontrava. Imaginei que, por ser um fruto tão 'bravo', sua flor devia ter uma forma estranha, e na minha mente veio a imagem de uma velha, com verruga na ponta do nariz e orelhas de abano.
Tolo eu fui: no lugar da humilde plantinha havia uma grande flor; a mais linda flor deu origem aquela pimenta; uma flor amarela, como cabelos loiros de uma bela branquela, que parecia sorrir para mim. Encontrei uma linda flor no jardim, mesmo fora da Primavera, mesmo sem a minha pimenta. Porém, agora sei que ali a poderei encontrá-la novamente. Para que ou por que? Ainda não sei, porém, vou descobrir.